NAMORADEIRA
NAMORADEIRA
Todos os dias quando busco jornal, normalmente e quase sempre, de segunda a sábado, pela manhã por volta das dez horas - mas em outros horários também -, lá está ela, esperando por mim - e por todos que passarem por sua casa -, debruçada sobre a sacada descaradamente, com um sorriso constante nos belos lábios carnudos, pintados com um vermelho chamativo, que apenas em olhar para eles algo se mexe dentro de mim assim como de qualquer pessoa, pois não tem como ignorá-los, bem como seus olhos enormes, como duas jabuticabas saborosas, suculentas com o olhar doce e chamativo, demonstrando extrema necessidade de piscar, mas ficam fixos, imóveis, apenas observando e dissecando a todos que por ali passam.
À medida que vou chegando próximo daquela casa roxa – de um roxo forte, combinando com aquela namoradeira que está sempre no mesmo lugar, dia após dias, apenas observando, cuidando e chamando a atenção de todos que passam por lá, minha atenção vai sendo dispensada para vê-la.
Seus braços bronzeados pela exposição constante ao sol - embora perceba-se sua cútis do rosto ser negra, de uma negritude invejável de tão sedosa, brilhante e toda, somente dela – sempre entrelaçados debruçados sobre a sacada que os mantém por horas a fio, sem nada para acomodá-los da dureza da alvenaria. Aqueles braços roliços, lindos, sedosos, acolhem seu busto, com seios suculentos, arfantes, repletos de sensualidade, bem torneados, com um sulco avantajado mostrando quase a sua totalidade por ser o decote de sua blusa estampada – provavelmente feito de chita, pelo estampado miúdo, delicado e corriqueiro – que ao contato com os braços fazem saltar descaradamente quase mostrando seus mamilos que me deixa, assim como, provavelmente, a todos que por ali passam, extasiados; e ela se mostrando, se dando, sem emitir palavra alguma, expressão alguma, de estar querendo ser minha ou de quem quiser tê-la com toda sua exuberância, beleza e ousadia. Seus seios palpitam como se estivessem me chamando. Mas eu continuo minha caminhada, resistindo a toda aquela beleza diária.
Sobre a cabeça um lenço estampado, combinando com o tecido da blusa – ou talvez vestido, não dá para saber pois apenas seu busto é mostrado naquela cena impossível de não ser percebida – em formato de um laço caindo sobre sua imensa cabeleira que os ampara para mostrar seu belo rosto rústico de uma negra namoradeira que a mim causa inspiração todos os dias ao passar por ela.
A cada passo que dou, olho rapidamente para ela, que mantém o olhar constante em mim. Sinto seu olhar para meu corpo, para meu caminhar, para mim como homem que deve também desejar, da mesma forma como faz com todos que passam por ela. Ao passar em frente àquela obra de arte, olho mais incisivamente e atiro-lhe um sorriso – não tem como resistir sem sorrir para tal beleza e encantamento que ela me proporciona – e percebo o acolhimento ao sorriso guardando-o dentro da blusa com seus enormes peitos, mesmo sem mexer um braço, nem mesmo seus olhos que continuam fixos nos meus.
A cada passo vou passando e deixando-a no lugar de sempre. Olho para traz, vagarosamente, e ela me abana com seus olhos inertes, despedindo-se de mim, triste por eu não tirá-la de lá. Penso até que esteja ali porque quer uma decisão minha de um dia tirá-la de lá. Quem sabe, fico pensando, seus cotovelos, seus braços, já devam estar arranhados, machucados pelo tempo todo que fica naquela sacada, se expondo a mim e a todos que passam e nada fazem com ela, a não ser desejar, observar e achá-la a mais bela de todas as namoradeiras que já vi. Até já pensei em chamar a dona da casa e pedir pra que ela me venda, me doe a sua namoradeira.
Dou-lhe tchau e ela nada faz, nada diz, continuando do mesmo jeito como sempre fica. Sinto-a triste, solitária, mas tenho que seguir. Muitas vezes volto pela mesma rua, e lá está ela; mas na volta já não tem mais essa interação minha com ela e nem ela comigo, pois já deixei-a triste, sinto isso, e para não deixá-la mais triste, ignoro-a muitas vezes, sem nem mesmo lançar um olhar para ela. Sei que ela está a me olhar, mas sigo em frente, até o outro dia que por lá passarei e estarei namorando-a novamente.
Não tem como evitar esse namoro, esse olhar admirado pois é realmente a namoradeira mais linda que já vi, provavelmente a dona da casa tenha trazido da Bahia, onde é o berço dessas namoradeiras feitas de gesso, ou de barro, não sei, mas são extremamente bem feitas e enfeitam muito bem qualquer sacada, causando e proporcionando até inspiração para eu escrever uma fantasia em relação a ela.
JOSÉ FERNANDO MENDES – 28/3/2025 – 16h27
JOSÉ FERNANDO MENDES
Enviado por JOSÉ FERNANDO MENDES em 28/03/2025